LEI DA RELATIVIDADE

Nada é tão fácil quanto parece, nem tão difícil quanto a explicação do manual.

quarta-feira, 13 de junho de 2007

O NARIZ ... (cont)

(...) Azora se derramou em inventivas tão longas, explodiu em recriminações tão violentas, que essa ostentação de virtude não agradou a Zadig.

Ele tinha um amigo chamado Cador, que era um desses jovens a quem sua mulher atribuía mais probidade e mérito que aos outros: Zadig, então, fez dele seu confidente e se assegurou, como podia, de sua fidelidade, dando-lhe um valioso presente.

Azora, que passara dois dias no campo em casa de uma amiga, voltou pra casa no terceiro dia. Criados em prantos lhe anunciaram que o marido morrera subitamente naquela noite e que não tinham tido coragem de levar-lhe essa infausta notícia, mas acabavam de sepultá-lo no túmulo de seus pais, no fundo do quintal. Ela chorou, arrancou os cabelos e jurou morrer. À noite, Cador confessou que o amigo deixara-lhe a maior parte de sua fortuna e deu a entender que a maior ventura, para ele, seria compartilhá-la junto com ela. A mulher chorou, irritou-se e se acalmou; o jantar foi mais demorado que o almoço; falaram com mais confiança. Azora fez o elogio do defunto, mas confessou que Zadig tinha alguns defeitos dos quais Cador estava isento.

No meio do jantar, Cador se queixou de uma dor violenta no baço; a jovem viúva, inquieta e solícita, mandou trazer todas as essências com que se perfumava, a fim de saber se alguma não haveria de servir para a dor no baço; lamentou muito que o grande Hermes não estivesse mais em Babilônia; dignou-se até a tocar o lado onde Cador sentia dores tão agudas.

- Estás sujeito seguidamente aos ataques dessa cruel doença? - perguntou ela, cheia de compaixão.

- Leva-me, às vezes, à beira do túmulo - respondeu Cador. Só há um remédio que me dá alívio: é aplicar no local o nariz de um homem falecido na véspera.

- Estranho remédio! - disse Azora.

- Não mais estranho - respondeu - que os saquinhos do senhor Arnou contra apoplexia.

A esta razão, juntamente com os extraordinários méritos do jovem, a mulher finalmente se convenceu.

"Em todo caso - pensou ela - quando o meu marido, na ponte de Tchinavar, passar do mundo de ontem para o de amanhã, será que o anjo Asrael deixará de lhe dar passagem, só porque seu nariz vai ser um pouco menos longo na segunda vida que na primeira?"

Tomou, pois, uma navalha, foi ao túmulo do esposo, regou-o de lágrimas e se aproximou para cortar o nariz de Zadig, que encontrou estendido na tumba. Zadig se ergueu, defendendo o nariz com uma das mãos e detendo a navalha com a outra.

- Senhora - disse ele - não xingues mais tanto assim a viúva Cosru: o projeto de cortar-me o nariz é igualzinho àquele de desviar o riacho.

(ZADIG OU O DESTINO - VOLTAIRE. Trad. Antônio Geraldo da Silva. São Paulo: Escala, s/d.)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Escreve, que eu te leio...

Eu, Macunaíma

***AI, QUE PREGUIIIIÇA!!!!

Escreve, que eu te leio!!

Reclamações, sugestões, críticas, xingamentos, elogios? Escreve, que eu te leio, filho(a)! e-mail